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  • Foto do escritorJosé Antonio Martino

Histórias do Fim do Mundo

(Primeiro capítulo do romance "Histórias do Fim do Mundo" de José Martino)






Foi numa noite escura feito vida de pobre. Gildavás, eu mais Pedro Pexera jogávamos palitinho num canto de bar, enquanto íamos discutindo questões indiscutíveis sobre filosofia, mulheres e futebol. Gildavás dizia que os doze pares de França na verdade não eram doze, mas dezessete, conforme ouvira dizer de um meio parente seu muito descolado nas ensinanças dos livros e do mundo. E acrescentava, num sorriso fálico de superioridade, que o meio parente seu tinha até lhe mostrado o manual Biotônico Fontoura, onde se liam estas coisas graves e outras mais de muito interesse entre os homens sabidos e livrados. O Pedro, grande troçador que era e que entendia tanto de assuntos graves quanto um ganso entende de hermenêutica, meteu-se a tripudiar o Gi, dizendo que o meio parente era um dromedário contumaz metido a sabichão, porque os doze pares de França nunca passaram de doze mesmo e outra cousa não eram do que os doze apóstolos de Cristo. Como a discussão não quitava nem desquitava e eu jamais tinha ouvido falar a respeito de pares algum, quanto mais os de França, resolvi tomar partido do Pedro para parecer também inteligente. Tia Fedegosa quem me disse que quando não se tem a menor idéia daquilo que se discute, o melhor é ficar do lado de quem grita mais alto. E quem ali gritava mais alto era o Pedro, não por índole, mas porque era o mais fraco da gente para as beberagens. Depois, o que queríamos mesmo era que o Gildavás ficasse injuriado com os despropósitos que lhe atirávamos à cara e, assim, soltasse a pérola dos seus pseudo-palavrões, deleite dos seus amigos:

- Caterva de estrupícios!

- Gerardo Perera, sorta a saidera!

- Eta mardade, amizade porreta!

Gildavás espremeu limão na caneca de lata. Depois, entornou o garrafão de sassafrás com a mesma destreza que um cinzel valsaria nas mãos de um escultor habilidoso. Correu cachaça de cristal, pura como as águas do Jordão beijando os tornozelos de João Batista. Gildavás virou num único gole, o último conosco, e sem grandes dramas, comédias ou tragédias, num adeus àqueles dias tão vazios de nossa existência, disse em tom seco e seguro como nunca se lhe vira:

- Eu vou é ser padre!

E saiu pela noite adentro, escura feito vida de pobre.

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